sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O ESCRUTÍNIO FENÍCIO EM ANTÓNIO RAMOS ROSA


O abecedário treme, escuramente.
A palavra faúlha é obscura.
De abismo em abismo cada letra
é o infrene flagelo da procura.

Eis como algumas voam como hastes
e penetram a carne, golpe a golpe.
Irrompentes, emergem e claudicam
para que não baste, ainda, a clausura.

Alguém as escreve, alguém as vê
e sente o alarido do seu silêncio vasto,
a cabeça com brilhos animais
que rebentam com tudo o que há no mundo.

Nem sequer são punhais, apenas crina
de um cavalo feroz e transparente
que o áugure sofre, toma e aglutina
aos casulos mortais da impaciência.

No seu destino ardem, como facas
de luz nas superfícies brancas,
um silvo ágil na sombra das espiras
que marca sobre o fogo a distância

que vai da alma ao espírito em lenta progressão
sobre as coisas infinitas, as tensões,
a pura perda, o rasgão no peito,
o escrutínio fenício do poema.


in Dez Poemas Inéditos para António Ramos Rosa, Edições Asa (FM), Porto, 2004


Desenho de António Ramos Rosa

1 comentário:

  1. Um belíssimo poema Amadeu Baptista

    "que vai da alma ao espírito em lenta progressão"

    Vou levá-lo para a página dedicada ao poeta no FB se não se importar
    https://www.facebook.com/groups/camposonho/

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